O desespero era o sentimento que tomava conta de pais, mães e crianças, moradores do Residencial Jonas Pinheiro III, que se concentraram em frente ao Fórum de Cuiabá, na tarde desta segunda-feira (14). Uma tentativa de sensibilizar o juiz Carlos Roberto Barros, da Vara Especializada de Direito Agrário, a suspender uma liminar de reintegração de posse solicitada pela Lumen Construtora; e conseguiram, mas só por enquanto.
“Para onde nós vamos? O que nós vamos fazer? Não temos dinheiro para aluguel, não temos como sair de lá. Temos mães de família em desespero”, questionava, sem respostas, Dirce Alves Coutinho, representante da Associação de Moradores do Jonas Pinheiro III.
Desde abril de 2018, 379 famílias sem-teto ocupam irregularmente o conjunto do programa “Minha Casa, Minha Vida”, localizado na região do bairro Altos da Glória. À ocasião da invasão, as obras estavam paralisadas há cerca de 6 anos. Nesta sexta-feira (12), elas receberam a segunda ordem judicial de despejo, que deveria ser cumprida pela Polícia Militar nesta terça (16).
Segundo o Poder Judiciário, a liminar foi “temporariamente suspensa” por demanda da Polícia Militar “para que a reintegração seja feita da forma mais pacífica possível” e “caberá à PM decidir o melhor momento”. “Quanto aos pedidos de suspensão de cumprimento, entregues na reunião de hoje, estes foram enviado para o membro do Ministério Público, Carlos Eduardo Silva”, informou o TJMT ao LIVRE.
Conforme Dirce Alves, após a manifestação, o Ministério Público (MP) determinou, ainda, um prazo de mais uma semana e a realização de um estudo social para futuros encaminhamentos.
Ocupação
“Quando entramos lá, as portas estavam estouradas e janelas e fio de luz arrancadas. Não tinha ninguém trabalhando, nós temos fotos e podemos comprovar isso. Muita gente saiu de aluguel, situação de risco e com o pouquinho que teve está pagando parcela até hoje para cobrir teto”, diz Dirce.
É o que conta Graciele, 30, que vem reconstruindo sua vida na casa de Cohab com o marido e os três filhos pequenos. O mais novo tem apenas quatro meses e, para cuidar dele, ela teve que deixar de trabalhar. Ela conta que chegou no local dois meses após a ocupação e que está inscrita no programa há três anos, sem ser contemplada.
“Entrei na Justiça para transferir filho de creche, acionar conselho, gastei mais R$ 2 mil para arrumar telha na casa que eu entrei. Compramos vaso, teve gente que colocou até piso. Esse meu pequeno mesmo, nasceu lá. É realmente muita gente que precisa daquilo lá”, afirma.
Os moradores do residencial reivindicam a posse dos terrenos e alegam que buscam se regularizar. Atualmente, a situação é acompanhada pela Prefeitura de Cuiabá através do Centro de Referência da Assistência Social (Cras) do CPA III.
“As pessoas que estão lá precisam muito e são trabalhadoras. Queremos pagar água, luz, hoje vivemos de gambiarra. Nós fizemos pedido na Águas Cuiabá e Energisa, mas eles dizem que não podem fazer [as ligações nas redes], porque estamos irregulares. A gente precisa da ajuda do poder público”, alega Dirce.
Para a representante, a retomada das obras pela empreiteira, que pede a reintegração de posse, é inviável. “Sabemos que eles não têm condições, nem financeiras, de retomar essas obras lá. Já tem 15 anos que eu sou inscrita no Minha Casa Minha Vida e nunca fui contemplada. Sempre fui assalariada com filhos pequenos e nunca consegui uma casa”, complementa a representante.
Sem opção
Uma dessas 379 famílias que dependem de uma moradia no Residencial Jonas Pinheiro III é capitaneada por Maria Aparecida, 38, mãe solo de 12 crianças. Ela era uma das mais preocupadas com a possibilidade de ter que sair do residencial, pois está gravida novamente.
Com a suspensão temporária da reintegração de posse, considerada uma vitória na Justiça, se emocionou e foi a mais abraçada por sua “nova família”.
Há três anos, Cida foge das ameaças do pai de oito de seus filhos, com quem viveu durante 13 anos. “Ele vinha para cima de mim, ameaça me bater. Uma vez entrou na padaria que eu trabalhava, há três anos, e quebrou todo o balcão. Ele destruiu a minha vida de uma hora para outra. Os filhos, ele denunciou no conselho”, conta.
Voltou a Cuiabá, terra natal, depois que o filho mais novo sofreu uma queimadura ainda bebê, que o deixou cinco meses no Pronto Socorro da Capital. Antes de ser acolhida pelos moradores do residencial há cerca de quatro meses, ela conta que passou um mês perambulando de aluguel em aluguel.
Os dois filhos mais velhos de Cida, de 18 e 20 anos, conseguem um trabalho ou outro para ajudar no sustento da família. Agora, grávida de 8 meses, ela precisa mais que nunca da ajuda do bico dos filhos e do apoio que recebe dos vizinhos.
“O mais velho terminou o ensino médio, mas o de 18 anos não conseguiu entrar na escola por falta de documentos. Viemos de Barra do Bugres só com a roupa do corpo. Aqui na Cohab que fui conseguindo economizar e ter apoio para fazer as fotos e os documentos”.