O deputado estadual Valdir Barranco, do PT, é uma das vozes mais atuantes em defesa da agricultura familiar e do pequeno produtor rural na Assembleia Legislativa de Mato Grosso. O parlamentar, que está em seu terceiro mandato e é o presidente estadual do PT, viveu o trauma de sido contaminado pela Covid 19 em 2021 e ficar em coma e entubado por quase 60 dias, diz que a doença o fez compreender o verdadeiro valor das relações humanas, da família e o poder das orações e que pretede escrever um livro sobre a dolorosa experiência.
Nesta entrevista, originalmente exibida pela TV Assembleia há algumas semanas, o deputado trata ainda de questões como a inconstitucioalidade das escolas civico-militar, as relações de Mato Grosso com a China e a violência contra as mulheres.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
CO POPULAR – O senhor venceu uma batalha difícil pela vida ao ser acometido pela Covid-19. Como foi passar por esta experiência?
Deputado Valdir Barranco – Eu fui acometido pela Covid duas vezes, a segunda em fevereiro de 2021. Eu não esperava que fosse ficar tão ruim. Foi difícil e assustador. Mas, graças a Deus, fui salvo pela medicina, pela ciência, pela minha família, pelas muitas orações. Até hoje, por onde eu ando, as algumas pessoas me chamam para mostrar os altares e lugares que prepararam e onde se reuniam para orar por mim. Sou grato e fico comovido com isso. E reconheço, então, que o poder das orações foi muito importante. A doença foi um divisor de águas mesmo em minha vida. Eu sofri muito com a Covid e não tem como sair dela sem ter mudado, nem que seja um pouco, para melhor. Eu sou hoje uma pessoa ainda mais humana, que valoriza muito as relações humanas e com a família. Foi um exemplo que tive de que nós não somos nada mesmo nessa terra. Então, não adianta ter vaidade, não adianta ser arrogante, a gente tem que ter simplicidade, humildade, tratar bem as pessoas e valorizar o SUS, a saúde pública. Ainda vou escrever ainda um livro sobre isso. Durante muito tempo eu tive pesadelos, não conseguia dormir, então, quero escrever um romance que misture realidade e ficção sobre essa experiência.
CO POPULAR – Realmente a Covid 19 foi traumática para todos. A ALMT perdeu dois parlamentares para a pandemia, o deputado Silvio Fávero e o Adriano Silva que era suplente. Como o senhor se sentiu quando recebeu o diagnóstico?
Deputado Valdir Barranco – Como eu disse, no começo, eu não achava que fosse passar por tudo o que passei. Eu já tinha pegado o virus antes e não houve complicação. Então estava tranquilo. No dia 21 de fevereiro, dia em que fui entubado, eu recebi uma mensagem do deputado Silvio Fávero. Mas, eu só pude ler a mensagem quatro meses depois e dizia: “Barranco, estamos contigo, meu amigo. Você vai sair dessa”. Quatro meses depois, quando eu li estas palavras, o Silvio já não estava conosco, ele tinha falecido de Covid [o parlamentar faleceu em 13 de marco de 2021]. Então, infelizmente, eu não tive oportunidade de agradecê-lo pelas palavras de encorajamento e confiança.
CO POPULAR – Mudando de assunto, o presidente Lula reestabeleceu o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. O que Mato Grosso pode esperar nessa área deste novo governo?
Deputado Valdir Barranco – Muita coisa boa vem por aí com a retomada das políticas públicas nessa área. Para quem não sabe, eu sou apaixonado pela causa do homem do campo, da agricultura familiar, do pequeno produtor rural. Eu nasci e cresci na roça, sou agricultor de nascença. Sou filho de agricultor. Nossa família foi a quarta a chegar em Nova Bandeirante em 1983 para plantar café. Lá, eu cresci no campo. Fui professor, prefeito da cidade. Depois ingressei no Incra onde cheguei a ser superintendente regional. Então sou um apaixonado pela agricultura familiar. E por isso eu digo que não tem agricultura familiar sem reforma agrária. Infelizmente, no Brasil, não teve oportunidade desde o seu processo de colonização pelos portugueses, de dar aos pobres o acesso à terra porque ela foi sempre concentrada nas mãos dos mais ricos, desde as capitanias hereditárias que replicou aqui o regime feudal que já estava em decadência na Europa em 1500. Hoje eu luto para que tenhamos essa oportunidade de fazer uma repartição mais justa do acesso à terra em nosso país.
CO POPULAR – Mas, em Mato Grosso já não ocorreu uma ampla redivisão das terras a partir do processo de colonização deflagrado nas décadas de 70 e 80?
Deputado Valdir Barranco – É fato que Mato Grosso passou por um processo de ampliação no número de famílias que controlam as suas terra no período dos governos militares. Mas, isso ocorreu, basicamente, em função da organização dos movimentos sociais de base na década de 80 em especial, quando o governo militar se viu obrigado a descentralizar a posse da terra, criando projetos e realizando assentamentos no modelo ainda de colonização pela iniciativa privada com algum subsídio público. Mato Grosso foi muito beneficiado com isso, claro. Mas, ainda não se fez a reforma agrária profunda e necessária. Hoje nós temos quase 700 assentamentos rurais que fazem a diferença na produção de alimentos. Mais de 50 municípios mato-grossenses foram criados a partir de assentamentos. A região do Araguaia (leste e nordeste de Mato Grosso) não seria o que é hoje se não fosse a luta de Dom Pedro Casaldáliga e dos sem-terra para que os latifundios, as terras griladas, fossem absorvidas pela reforma agrária e distribuídas em assentamentos rurais. No início dos anos 1980, naquela região, havia apenas quatro cidades: Barra do Garças, Xavantina, São Felix do Araguaia e Vila Rica. Hoje são 25 municípios, cinco deles, integram o ranking das maiores economias de Mato Grosso. Tudo graças aos assentamentos da reforma agrária.
CO POPULAR – Ainda há terras em Mato Grosso passíveis de serem transformadas em assentamentos rurais pela reforma agrária?
Deputado Valdir Barranco – Só nas mãos de grileiros, são mais de quatro milhões de hectares. São terras da União que a Advogacia Geral da União (AGU), nos últimos 10 anos, ingressou com ações na Justiça para serem retomadas e repassadas para a reforma agrária. Agora com o governo Lula e a recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar esse processo deve ser acelerado para que a União recupere estas terras e possa fazer novos assentamentos de milhares de famílias. A reforma agrária é para fazer justiça social, para acabar com a violência no campo, para democratizar o acesso à terra. Não é justo que ocorra como em Novo Mundo, onde existe a Fazenda Araúna, que ocupa uma área de mais de 15 mil hectares que pertence a União, mas que foi grilada e está nas mãos de uma única família há 30 anos ou ainda a Gleba Gama em Nova Guarita, que é a mesma situação entre outras.
CO POPULAR – O que a Reforma Agrária tem a ver com a segurança alimentar, já que se fala tanto em produção de comida de verdade, erradicação da fome, redução do custo dos alimentos?
Deputado Valdir Barranco – Tem tudo a ver e é a solução para essa questão. Há muito preconceito contra a expressão ‘refoma agrária’ no Brasil. Os Estados Unidos,por exemplo, fez a reforma agrária deles em 1862. O então presidente Abraham Lincoln, ao dividir as terras públicas, o fez em lotes de 65 hectares e cada família que se candidatava e cumpria os requisitos, poderia pagar em três vezes o valor simbólico da área que equivale hoje a meros 300 dólares e documentar a sua terra, sua propriedade. Hoje, nos Estados Unidos, 98,7% das áreas agricultáveis é de agricultores familiares e só 1,3% das terras pertencem à grandes grupos do agronegócio. E o Brasil ainda não fez isso. Na verdade, não há podução de comida de verdade sem reforma agrária. Não existe agricultura familiar, que produz comida que vai para a nossa mesa, o arroz, feijão, abobrinha, hortaliças, frutas, sem o pequeno produtor familiar e estes não existem sem que haja reforma agrária.
CO POPULAR – A ALMT instalou uma Câmara Temática para discutir a relação China/Mato Grosso. Sabemos que nosso estado exporta a maior parte de sua produção de commodities para China. Como o senhor avalia o trabalho dessa Câmara, ela é de fato, necessária?
Deputado Valdir Barranco – Nós tomamos a iniciativa de criar a Câmara Mato Grosso/China porque os chineses são o maior parceiro comercial de nosso estado e do Brasil. Hoje, 73% de toda a produção de commodities exportada pelo Brasil para a China sai de Mato Grosso. Ou seja, se a China fechar as portas para as compras no Brasil, Mato Grosso é o primeiro estado a quebrar. E seria uma quebradeira geral. Por isso, é justo que nós, deputados, discutamos essa questão em profundidade. A Câmara foi instalada com a participação do Instituto Brasil-China (Ibrachina), de todas as universidades e já tivemos algumas reuniões externas, uma na OAB nacional e outra na Câmara dos Deputados em Brasília. Nossa preocupação é que esta relação com a China seja mais abrangente em termos de áreas de interesse econômico e científico, que vá além do agronegócio, englobando tecnologias e educação, por exemplo. Nós precisamos ampliar esse horizonte de trocas, criar intercâmbios entre as universidades locais e as chinesas.
CO POPULAR – A educação é também uma de suas bandeiras políticas. O senhor é um dos grandes críticos do modelo das escolas militarizadas. Por quê esta crítica?
Deputado Valdir Barranco – As escolas militares, ou civico-militares como eles chamam, são inconstitucionais. Elas não podem existir no Brasil. Os deputados e deputadas constituintes, que fizeram a Carta Magna do Brasil em 1988, viveram a ditadura militar e as suas consequências, por isso se preocuparam em deixar claro na Constituição a vedação da instituição de escolas militares no país. Foi concedida apenas uma exceção: aquelas escolas específicas para filhos de militares e nenhuma outra em qualquer forma assemelhada. Ou seja, não existe amparo legal algum para a transformação de escolas públicas, sejam estaduais ou municipais, em escolas civico-militares e nem a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) brasileira permite isso. Então, é uma ilegalidade o que acontece em Mato Grosso e em outros estados com essa ‘onda’ de militarizar escolas públicas. Para além dessa questão constituicional insuperável, há o fato de que esse modelo cria privilegios e amplia o espectro da ilegalidade de sua existência, uma vez que os militares que atuam nessas escolas militarizadas, consumem recursos da educação de maneira irregular, como o caso de um coronel aqui de Mato Grosso que recebeu da Seduc R$ 500 mil em um ano enquanto professores da rede estadual com mestrado e doutorado, recebem salários infinitamente inferiores. Por estas é que o PT de Mato Grosso impetrou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça que, foi sobrestada (interrompida) porque o PT do Paraná ingressou também com uma medida semelhante que já está no Supremo Tribunal Federal (STF) aguardando sentença. E nós temos certeza que o STF dirá que esse modelo de escola civico-militar é inconstitucional.
CO POPULAR – Uma outra questão sobre a qual o senhor tem manifestado nas suas intervenções e debates na Assembleia é a da violência contra as mulheres. Na sua avaliação, o que pode ser feito para reduzir essa onda de feminicídios que assistimos no estado e no Brasil?
Deputado Valdir Barranco – Essa é uma pauta que muito me preocupa como homem, esposo, pai e como parlamentar. Nós precisamos criar uma cultura de respeito às mulheres, uma cultura de não violência, e para isso, a educação é fundamental para que essa violência acabe definitivamente. Nós temos acompanhado com tristeza e indignação a evaloção desse tipo de crime contra as mulheres. Os últimos informes indicam que só no ano passado nada menos que 95 filhas e filhos ficaram órfãos de mães que foram vítimas de feminicídio e que neste ano já passam de 40 crianças as que perderam suas mães por causa desse modo específico de assassinato de mulheres. A gente não pode achar que isso é normal, nem se compadecer no momento e depois esquecer. Enquanto Assembleia Legislativa e enquanto Estado, nós temos que fazer algo urgente para mudar essa cultura de violência contra as mulheres. Por isso temos debatido o problema, feito denuncias, cobrado ação das forças de segurança e do Governo do Estado para sejam adotadas medidas práticas que possam conter esse tipo de crime, garantir a segurança e a vida das mulheres que são ameaçadas, agredidas e abusadas por seus companheiros, seus maridos ou namorados.