26 de Junho de 2025

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GERAL Quarta-feira, 26 de Março de 2025, 10:25 - A | A

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INDÚSTRIA MUSICAL

Funk e Feminismo: entre o protagonismo e a objetificação, Dj Strella conta como as mulheres enfrentam o mercado da música

Com três anos de carreira, a artista presenciou diversas situações que a fizeram repensar se compensaria viver tudo aquilo e correr o risco por ser mulher no mundo da música.

Redação

O mundo da música é frequentemente associado à fama, ao dinheiro e a uma vida desejada por muitos brasileiros que almejam uma aposentadoria precoce. Ao longo dos anos, diversos artistas conquistaram sucesso e estabilidade financeira no auge de sua popularidade, tanto no cenário nacional quanto internacional.

Desde o surgimento dos fonogramas, o Brasil testemunhou a ascensão do lundu como o primeiro gênero musical gravado no país. "Isto é Bom", de Xisto Bahia, interpretado por Bahiano, foi o primeiro registro fonográfico brasileiro, realizado em 1902. No entanto, entre o final do século XIX e o início do século XX, o lundu começou a ceder espaço para o maxixe, especialmente nas apresentações dos teatros de revista. Dessa forma, o lundu é considerado o precursor do maxixe e, por consequência, o "avô" do samba. Junto à modinha, vista como a "avó", o lundu pode ser reconhecido como um dos pilares da música popular brasileira.

Com o passar das décadas, novos ritmos surgiram. O funk, por exemplo, tem suas raízes na soul music dos anos 1960, um dos símbolos de expressão do movimento negro nos Estados Unidos. No Brasil, o funk chegou ao final da década de 1970, inicialmente em festas na zona sul do Rio de Janeiro. A partir dos anos 1980, a batida eletrônica foi incorporada ao gênero, principalmente pelo trabalho de DJ Malboro. O ritmo logo ganhou espaço e tornou-se um símbolo de representatividade cultural, com sua energia e estilo inconfundíveis.

Ana Carolina, mais conhecida como DJ Strella, compartilhou sua experiência no mundo artístico, ressaltando a forte presença da sexualização nas dinâmicas do funk. Iniciando sua carreira aos 15 anos, ela teve a oportunidade de se conectar com diversos artistas em São Paulo e Cuiabá. Nessas viagens entre estados, conheceu diferentes culturas e estilos musicais. Seu desejo de lançar músicas autorais a levou a escrever seu primeiro funk aos 14 anos, lançado no ano seguinte. A canção viralizou na internet, proporcionando-lhe um momento de fama repentina. Aos 18 anos, Strella retornou a Cuiabá e iniciou sua jornada como DJ no cenário do funk. Participando de eventos e shows, ela passou a compreender melhor as dinâmicas do gênero, tanto os aspectos positivos quanto os desafios enfrentados.

Ela recorda que o início de sua carreira foi tranquilo, contando com o apoio de parceiros para fechar shows. No entanto, conforme sua fama crescia e sua agenda se tornava mais disputada, as situações começaram a mudar. Strella passou a ser procurada por contratantes que, além de se interessarem por seu talento, viam nela uma fonte de atração. Foi nesse período que enfrentou um dos momentos mais difíceis de sua trajetória: ao buscar novas oportunidades, recebeu propostas que não eram profissionais, mas sim de cunho sexual.

"Foi um momento em que percebi o quão sexualizado e desrespeitado é o mundo do funk. Os artistas homens pregam respeito nas letras, mas no palco a realidade é outra. Algumas pessoas acham que somos fáceis e que vamos vender nosso corpo em vez do nosso talento, apenas por dançarmos ou nos expressarmos como os homens fazem. Depois desse episódio, vieram muitas outras propostas 'irrecusáveis', mas isso não condiz com meu caráter e educação", relata Strella.

Prezando por sua segurança e buscando evitar situações constrangedoras, Strella decidiu montar uma equipe exclusivamente masculina para acompanhá-la nos shows, reduzindo sua exposição em ambientes noturnos. Hoje, ela encara essa experiência como um aprendizado e destaca que essa realidade não é exclusiva do Brasil, mas sim um fenômeno global, refletindo a influência de artistas que, muitas vezes, recorrem à hipersexualização para alcançar sucesso.

Em um cenário musical dominado pela música sertaneja, dois gêneros têm se destacado nas plataformas de streaming: o funk e o rap. Juntos, representam 55% das execuções totais no Spotify, segundo dados da ONERPM, uma das maiores distribuidoras digitais do país, entre outubro de 2021 e janeiro de 2023. Além disso, ambos os gêneros são forças dominantes nas redes sociais, especialmente no TikTok. Apesar da popularidade, o funk ainda enfrenta criminalização, especialmente a partir dos anos 1990, devido às temáticas abordadas em suas letras, como violência, sexo e drogas. No entanto, é essencial reconhecer que a música reflete a realidade social e que esses temas precisam ser discutidos no contexto em que surgem.

A inserção feminina no funk tem sido uma revolução significativa. Tradicionalmente dominado por homens, o gênero tem visto um crescente número de mulheres assumindo protagonismo na criação e na performance musical. Essa mudança não só amplia a diversidade de vozes e perspectivas, como também desafia normas de gênero na música brasileira. No entanto, a história da mulher no funk é marcada pela objetificação de sua imagem e sexualidade. Segundo a pesquisa de Amorim (2009), o funk sempre posicionou a mulher em um espaço discursivo onde sua relação com a sexualidade é central, muitas vezes retratando-a como um objeto sexual, o que gera um estigma negativo em torno do gênero.

Essa representação pode ser observada em músicas como "Eu Rebolo Sim", de MC Mirella, que reforça uma visão objetificada da mulher para agradar ao homem. Apesar disso, há também funkeiras que promovem empoderamento feminino, como no caso de "Modo Turbo", de Anitta, Luísa Sonza e Pabllo Vittar, onde a mulher assume o controle da narrativa. Ainda assim, o funk continua sendo frequentemente taxado de machista, e suas letras são vistas como incentivo à violência e à objetificação feminina.

A relação entre funk e feminismo é complexa. O movimento busca igualdade social e econômica entre os gêneros, e as mulheres têm conquistado cada vez mais espaço no universo musical. O funk tem sido um palco para a expressão feminina, seja para subverter, seja para reafirmar normas de gênero, e a luta por igualdade segue central nesse cenário.

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