Ministra do STF (Supremo Tribunal Federal), Cármen Lúcia negou o pedido de uma mulher, identificada como L.E.R.S., para extinguir uma ação penal, e negou a manutenção do benefício do regime de prisão domiciliar imposto pela força desse processo em curso contra ela por supostamente vender maconha via WhatsApp, segundo decisão publicada na edição desta terça-feira (29) do Diário Oficial da Justiça.
Conforme a narrativa dos autos, L.E. foi presa em agosto deste 2019 por manter sob sua posse 269 gramas de cannabis saativa. Questionada pelos policiais sobre o motivo de tanto entorpecente junto, ela teria dito que recebera o produto como pagamento por ter armazenado uma carga para outros homens.
Mãe de uma criança de 11 meses, ela tentou transformar a erva em dinheiro e por isso começou a utilizar mídias sociais e o app de mensagem instantânea para que potenciais clientes fossem até sua casa, a pagassem e levassem embora o motivo de seus interesses. Ela não contava, porém, que a própria Polícia Militar iria acabar vendo um desses anúncios e depois iria ao local indicado para conferir.
Presa, a defesa da ré impetrou com um habeas corpus, com requerimento de medida liminar, e o TJMT (Tribunal de Justiça de Mato Grosso) rejeitou-lhe a liberdade e o pedido de prisão domiciliar baseado num disposto da Constituição Federal brasileira, de que mães de menores de 12 anos com problemas com a justiça devem responder a seus processos — em caso de necessária reclusão — em prisão domiciliar, de modo a preservar a saúde física e psicológica de sua prole.
O relator da pauta para a turma julgadora da Terceira Câmara Criminal no TJMT, desembargador Gilberto Giraldelli, negou provimento à maior parte do HC e concedeu tão somente a prisão domiciliar, mandou expedir alvará de soltura, mas pediu manifestação do MPE (Ministério Público Estadual), que deu parecer contrário.
O advogado da jovem recorreu então ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), onde o ministro Nefi Cordeiro, no dia 30 de setembro deste 2019, indeferiu liminarmente esse HC. Fizeram parte desse julgamento, além do relator, os desembargadores Juvenal Pereira da Silva, Luiz Ferreira da Silva, Maria Aparecida Ribeiro, Paulo da Cunha, Rondon Bassil Dower Filho e Rui Ramos Ribeiro.
No entendimento de Giraldelli, não havia constrangimento ilegal, como aludiu a defesa, que também alegava ausência do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, preenchendo os requisitos e pressupostos legais insculpidos nos artigos 312 e 313 do CPP (Código de Processo Civil), e requerendo, no mérito, a extinção da ação.
O desembargador Gilberto Giraldelli redarguiu, no entanto, que o fundamento no interesse de filhos menores de 12 anos não se sustenta porque a paciente confessou em seu interrogatório extrajudicial ter recebido a droga como pagamento por ter armazenado, na casa em que reside, determinada quantidade de substâncias psicotrópicas.
“Esta circunstância também foi destacada no decreto prisional, pois a autuada afirma que armazenou droga e em contrapartida recebeu como pagamento a quantia de 100 gramas. Esta Sexta Turma entende que a substituição do encarceramento preventivo pelo domiciliar não resguarda o interesse dos filhos menores de 12 anos de idade, quando o crime é praticado na própria residência da agente, onde convive com os infantes. Nesse sentido citam-se os seguintes julgados: (...) Não se verifica, portanto, ilegalidade para justificar a mitigação do enunciado da Súmula n. 691 do STF. Ante o exposto, indefiro liminarmente o habeas corpus”, escreveu o desembargador.
A ministra Cármen Lúcia resolveu a questão afirmando que apesar de o teor da citada Súmula 691 do STF não admitir a utilização de habeas corpus contra decisão que indeferiu a liminar em writ impetrado no Tribunal a quo, sob pena de indevida supressão de instância, o entendimento corrente na Suprema Corte é de que, em casos excepcionais, quando evidenciada a presença de decisão teratológica (estranha, esquisita) ou desprovida de fundamentação, é possível a “mitigação do referido enunciado”. Lembrou também que L.E., a despeito de ter uma criança de 11 meses, teve o pedido de concessão de prisão domiciliar indeferido.
Levou em consideração, ainda, o fato de a paciente ser primária, ter condições pessoais favoráveis e não demonstrar periculosidade concreta. Pontuou que não há nos autos quaisquer elementos concretos a comprovar que a paciente praticaria o crime na residência onde vive com a criança.
“Com relação à possibilidade de submissão da increpada à prisão domiciliar, ao menos nesse momento de análise prévia do alardeado constrangimento ilegal, não vislumbro motivos suficientes para a concessão liminar do writ, afinal, como bem pontuou o d. magistrado da instância singela, a paciente afirmou perante a autoridade policial que sua filha de pouco mais de 09 meses de idade estaria residindo com a avó materna em outro domicílio. Logo, aparentemente, os cuidados da genitora não são estritamente necessários à infante, como aduz o impetrante. Com tais considerações, estou convencido de que a antecipação dos efeitos da tutela configura medida desaconselhada, fazendo-se prudentes, antes, as informações da autoridade tida por coatora e a coleta de parecer junto ao órgão de cúpula ministerial para que, posteriormente, o habeas corpus possa ser submetido a julgamento pelo órgão fracionário competente, em homenagem ao princípio corpus da colegialidade. Diante do exposto, indefiro a tutela de urgência reclamada em prol da paciente”, encerra a ministra.