A Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso de uma operadora de plano de saúde que buscava validar cobrança de coparticipação em valor elevado sobre terapias destinadas ao tratamento de um menor diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A Corte manteve a sentença de primeiro grau que limitou a cobrança ao equivalente a duas mensalidades do plano de saúde.
Cobrança abusiva
O caso teve início após a operadora cobrar R$ 11.456,76, referente a sessões terapêuticas realizadas em agosto de 2021. O valor, segundo os autos, representava mais de seis vezes a mensalidade contratada, que era de R$ 1.706,70. O contrato previa coparticipação de 30% sobre os procedimentos realizados, percentual que foi mantido, mas limitado em sua aplicação para garantir o acesso contínuo ao tratamento.
A relatora, desembargadora Clarice Claudino da Silva, destacou que, embora a cláusula de coparticipação esteja prevista contratualmente e respaldada na Lei nº 9.656/98, sua aplicação deve obedecer aos princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente diante da hipervulnerabilidade do paciente e da necessidade de tratamento prolongado e contínuo.
“A cobrança de coparticipação em valor que ultrapassa duas vezes a mensalidade configura prática abusiva, por comprometer o tratamento contínuo e essencial à saúde do consumidor hipervulnerável”, afirmou a magistrada.
Relação de consumo e função social do contrato
Com base no artigo 51 do CDC, o colegiado reconheceu a cláusula como abusiva, por impor “obrigações excessivamente onerosas” que colocam o consumidor em “desvantagem exagerada”, especialmente quando o acesso ao tratamento é colocado em risco. A relatora reforçou que os contratos de plano de saúde são regidos pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, conforme prevê a Súmula 608 do Superior Tribunal de Justiça.
No acórdão, destacou-se que, embora a cláusula de coparticipação seja legal quando previamente informada e expressa, a jurisprudência já firmou o entendimento de que, em casos de tratamento continuado como no TEA, o encargo ao consumidor não deve ultrapassar o valor de duas mensalidades.
“Busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, considerando a prevalência do direito à saúde e as peculiaridades da lide, por envolver tratamento continuado, cujo custo financeiro é alto”, registrou a decisão, citando jurisprudência do próprio TJMT.
Cobrança futura do excedente também foi negada
A operadora também havia pleiteado, de forma subsidiária, a autorização para cobrar o valor excedente da coparticipação em parcelas futuras. No entanto, a Turma Julgadora rejeitou o pedido, por entender que a postergação da cobrança perpetuaria o desequilíbrio contratual e violaria a boa-fé objetiva.
“A cobrança do valor excedente em parcelas futuras perpetua o desequilíbrio contratual e afronta os princípios da boa-fé objetiva, função social do contrato e proteção da confiança legítima”, afirmou a relatora.
Sentença confirmada e honorários majorados
A sentença original, proferida pela 9ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá, havia confirmado tutela de urgência que já impedia a cobrança excessiva e reconhecia a abusividade da cláusula de coparticipação. Com a negativa do recurso, o TJMT manteve integralmente a decisão de primeiro grau e ainda majorou os honorários advocatícios para 18% sobre o valor da causa, conforme previsto no artigo 85, §11, do Código de Processo Civil.
Tese reafirmada pela decisão
A tese fixada pela Primeira Câmara de Direito Privado reforça o entendimento já consolidado no TJMT e em tribunais superiores:
“1. É abusiva a cláusula de coparticipação que impõe encargos superiores ao limite de duas mensalidades do plano, quando compromete a continuidade de tratamento essencial. 2. A cobrança do valor excedente em parcelas futuras não é admissível, por manter o desequilíbrio contratual e comprometer a eficácia do tratamento.”
A decisão foi proferida na sessão realizada no dia 3 de junho de 2025, em consonância com parecer do Ministério Público, e representa mais um marco no reconhecimento da proteção especial a consumidores com necessidades terapêuticas permanentes.