Há mais de 11 anos, Barão de Melgaço, no Pantanal mato-grossense, é palco de uma das mais marcantes expressões de fé e cultura da região: a cavalgada pantaneira. O evento integra a tradicional Festa de São Pedro de Joselândia, uma celebração centenária que une religiosidade, identidade local e resistência cultural em meio às belezas e desafios do território pantaneiro.
A cena se repete ano após ano. De longe, surgem pequenos vultos envolvidos pela poeira fina da estrada seca. Montados em cavalos pantaneiros, com camisetas amarelas e bandeiras coloridas, cavaleiros e amazonas seguem em direção à igrejinha de São Pedro, onde são recebidos com emoção por moradores e devotos. A cavalgada já se tornou símbolo da festividade, reafirmando o vínculo entre fé e tradição no coração do Pantanal.
Localizado a cerca de 180 quilômetros de Cuiabá, o distrito de Joselândia pertence ao município de Barão de Melgaço e abriga aproximadamente 2,5 mil habitantes, em sua maioria pantaneiros de nascença. O povoado é marcado por costumes típicos, linguajar próprio e uma habilidade nata de lidar com o território, seja na época da seca ou da cheia, quando o acesso à comunidade só é possível por barco. Apesar das dificuldades logísticas, os festejos ocorrem todos os anos com o envolvimento intenso da população local.
Na edição deste ano, mais de 50 cavaleiros e cavaleiras (incluindo adultos e crianças) percorreram cerca de 100 quilômetros em dois dias, saindo de Barão de Melgaço até Joselândia. Durante o trajeto, passaram por localidades como Estirão Cumprido, Porto Brandão, Conchas, Capoeirinha e Fazenda Velha. Em cada parada, fogos de artifício anunciavam a chegada do grupo. No trecho final, uma segunda comitiva saiu ao encontro dos cavaleiros, e juntos seguiram até a igreja de São Pedro, onde realizaram a simbólica troca de bandeiras dos santos padroeiros e promesseiros, em um ato coletivo de fé e gratidão.
Durante os quatro dias de celebração, a rotina da comunidade muda completamente. O festeiro se instala no local do evento e a cozinha comunitária, montada nos fundos da igreja, funciona de forma ininterrupta. O dia começa com o tradicional “quebra-torto”, seguido de chá com bolo. Logo depois, o preparo do almoço e do jantar toma conta dos fogões caipiras, com pratos à base de carne bovina — como churrasco, picadinho e o popular “vai e vorta”, feito com pedaços maiores de carne macia. Nesta edição, 16 reses foram abatidas para alimentar os participantes. Toda a comida e bebida servidas são fruto de doações feitas pela própria comunidade. “As doações dependem muito do poder aquisitivo de cada um. A maior felicidade nossa é ver as pessoas saírem daqui felizes, mas, infelizmente, ainda não temos muita estrutura para atender todo mundo”, afirma o juiz da festa, Gonçalo Benedito dos Santos, de 52 anos.
Um dos momentos mais aguardados do festejo é o levantamento do mastro, considerado o ponto máximo da devoção ao santo padroeiro. Antigamente, o ritual era acompanhado pelo Cururu, canto tradicional da religiosidade pantaneira. Com o passar do tempo e a diminuição de cururueiros, os cânticos foram sendo substituídos por hinos religiosos tocados pela bandinha local. A mudança divide opiniões, mas também reflete a dinâmica natural da cultura, que se transforma sem perder sua essência.
A Festa de São Pedro de Joselândia é mais do que um evento religioso. É um elo vivo entre o passado e o presente, uma celebração que expressa a força de um povo que carrega com orgulho sua fé, suas tradições e sua identidade pantaneira. Cada cavalgada, cada refeição compartilhada e cada bandeira erguida reafirma o compromisso da comunidade com suas raízes.