06 de Maio de 2024

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ENTREVISTA DA SEMANA Segunda-feira, 06 de Novembro de 2023, 10:37 - A | A

Segunda-feira, 06 de Novembro de 2023, 10h:37 - A | A

MAURO VIEIRA

Alta diplomacia retoma protagonismo do Brasil na geopolitica global

Redação

O diplomata Mauro Vieira, Ministro das Relações Exteriores do Brasil é formado pelo Instituto Rio Branco, bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense e doutor honoris causa em Letras pela Universidade de Georgetown (Washington, DC). Foi embaixador do Brasil na Croácia no período de 2020 a 2022 e liderou a equipe diplomática brasileira na Argentina (2004-2010), nos Estados Unidos da América (2010-2015) e nas Nações Unidas (2016-2022). Alçado ao cargo de ministro das Relações Exteriores do Brasil pelo presidente Lula, tem sido peça fundamental na reconstrução da imagem do país como agente de peso na geopolítica internacional e uma voz proativa na resolução de conflitos como a Guerra Russia/Ucrânia e Israel/Árabe-Palestina e em temas como desenvolvimento econonômico, combate à fome e pobreza, meio ambiente, direitos humanos e integração internacional. Nesta entrevista, originalmente concedida à revista do Tribunal e Contas da União (TCU), o ministro fala sobre o papel da diplomacia nesta retomada do Brasil como protagonista e líder nas discussões de problemas globais.

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COPopular - No governo anterior, segundo muitos especialistas, houve uma ruptura dos padrões diplomáticos e da política externa brasileira. Quais as perspectivas da diplomacia no terceiro Governo do Presidente Lula?

Ministro Mauro Vieira - Já está em pleno andamento, desde o dia 1o de janeiro, a retomada de linhas tradicionais de política externa e de diplomacia presidencial do Brasil, que, nos últimos anos, haviam sido substituídas por uma antidiplomacia que somente trouxe prejuízos ao país. Essa antidiplomacia nos levou a uma situação de isolamento inédita; chegamos a ter um Ministro das Relações Exteriores que ousou vangloriar-se, publicamente, da condição de pária internacional. Foi um choque para a diplomacia brasileira – conhecida pelo profissionalismo – sobreviver a esse retrocesso e passar por essa experiência, mas a página foi virada com as eleições e com a posse. De lá para cá, a instrução do Presidente Lula [para a diplomacia] é a de que nossa prioridade deve ser a de reconstruir pontes entre o Brasil e o mundo. Já nos primeiros meses de gestão, as pontes entre os principais atores globais da geopolítica e economia foram reconstruídas. Voltamos a trabalhar nos projetos e iniciativas que interessam ao Brasil e que são ditadas pelo interesse nacional, e não por sectarismos e bravatas que não levaram a nada de positivo.

COPopular  - A diplomacia brasileira sempre teve papel de destaque nos governos anteriores do Presidente Lula. Quais os principais desafios para consolidar a imagem do Brasil como um player
importante no cenário internacional?

Ministro Mauro Vieira - O fim do isolamento já é uma realidade, felizmente. O Brasil voltou ao centro do debate global, e tem sido muito bem recebido. Manifestações dos meus colegas chanceleres têm sido muito eloquentes nesse sentido – de que o Brasil fazia falta. Agora chegou o momento de aproveitar os canais de diálogo reabertos para propor temas que são caros ao país, em áreas como o desenvolvimento sustentável, a democracia, a mudança climática, o resgate do multilateralismo comercial e político e a construção da paz. Teremos uma grande oportunidade em 2024, para a qual já estamos nos preparando internamente: no ano que vem o Brasil presidirá o G20; é uma tarefa que dura o ano inteiro e que nos permitirá propor assuntos prioritários e possíveis soluções para alguns dos desafios da realidade global de hoje.

COPopular  - Muitas potências internacionais manifestaram apoio ao Governo do Presidente Lula depositando nele esperanças de retomada do enfrentamento da crise climática mundial. Como o governo pretende lidar com essa questão e quais ações específicas estão sendo adotadas?

Ministro Mauro Vieira - O governo do Presidente Lula tem adotado, desde o primeiro dia de gestão, ações drásticas para combater a criminalidade ambiental, que avançou significativamente nos últimos anos, por razões que são conhecidas e que contribuíram para manchar a imagem e para aprofundar o isolamento internacional do Brasil. Graças a essas ações, e à retomada de um diálogo construtivo com a sociedade e com nossos parceiros internacionais, o mundo hoje conhece o desastre humanitário e ambiental das comunidades ianomâmis, bem como o avanço do desmatamento. Essas tendências destrutivas já começaram a ser revertidas, na prática, e as metas de redução do desmatamento serão atingidas, como já ocorreu nas gestões anteriores do Presidente.

COPopular - Espera-se que o novo governo retome o protagonismo do Brasil na integração sul-americana. Como deverá ser a atuação do Brasil no Mercosul para que esse objetivo seja atingido?

Ministro Mauro Vieira - Uma das primeiras medidas do novo governo foi a de reintegrar o Brasil à Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), ainda em janeiro, com a participação do Presidente Lula na cúpula do grupo, em Buenos Aires. A mesma decisão foi tomada em relação à Unasul, que é um âmbito de concertação na América do Sul com ótimos serviços prestados aos países da região, não apenas na resolução de situações de crise, mas também na discussão e implantação de iniciativas de integração, inclusive de projetos de infraestrutura. O trabalho na Celac e o relançamento da Unasul vão contar com o decidido engajamento do Brasil, até porque, não podemos nos esquecer, a integração latino- americana é um mandamento constitucional. Quanto ao Mercosul, concordo que existe a necessidade de revitalização de seus mecanismos. Mas noto um certo exagero nas críticas; acho que não cabe, por exemplo, falar em paralisia. As cifras recentes de retomada do comércio intrabloco e os próprios agentes econômicos vêm desmentindo essa visão pessimista, e todos os países do bloco vêm se beneficiando desses fluxos, e da recuperação que estamos acompanhando.

COPopular  - No panorama internacional nos últimos anos, o país foi relegado a um incontestável isolamento. Como o governo pretende retomar o diálogo com os mais importantes atores da
geopolitica global?

Ministro Mauro Vieira - Essa retomada já está acontecendo, a pleno vapor. E minha agenda de viagens e as viagens presidenciais evidenciam a prioridade que estamos conferindo a esse esforço. Para que se tenha uma ideia, nos três primeiros meses de governo mantive 70 reuniões bilaterais com chanceleres, autoridades de primeiro escalão, dirigentes de organismos internacionais e chefes de Estado e de governo, sem falar nos encontros do Presidente Lula com chefes de Estado e de governo que também tive a oportunidade de acompanhar. Graças a isso, já recuperamos muito terreno. Temos ainda muito trabalho pela frente, mas a comunidade internacional recebeu a volta do Brasil de braços abertos.

COPopular  - Nos últimos anos, houve grande mudança de cenário para os integrantes dos Brics. O Presidente Lula declarou que fortaleceria o bloco, esquecido pelo governo anterior. Quais diretrizes o governo pretende adotar para implementar esse fortalecimento?

Ministro Mauro Vieira - A velocidade da mudança é realmente impressionante no mundo, e os Brics são referência em matéria de vitalidade econômica, como mostram esses números da China e da Índia. Não podemos nos esquecer de que o Brasil chegou a ocupar, em 2011, a posição de sexta maior economia do mundo, e isso demonstra que temos muito terreno a recuperar nos próximos anos, e que a diplomacia é uma das ferramentas para alcançar esse objetivo. É um papel que vai muito além da dimensão econômica desses países, e que envolve também desafios existenciais enfrentados pela humanidade no momento, como o das mudanças climáticas.

COPopular  - O governo brasileiro tem avaliado se vale ou não a pena continuar mantendo a sua candidatura a integrar a OCDE. O país pretende reduzir com esse que é um importante grupo econômico?

Ministro Mauro Vieira - São negociações complexas, que requerem tempo e mudanças legislativas internas. Mas é preciso conter expectativas exageradas quanto a prazos, por exemplo; para que tenhamos uma ideia, os países latino-americanos de ingresso mais recente, como a Costa Rica e a Colômbia, negociaram o processo de acessão durante sete anos. Nosso processo de acessão foi anunciado há pouco menos de um ano; temos muito trabalho pela frente, em várias áreas, e o novo governo está avaliando as obrigações e vantagens decorrentes do ingresso como membro pleno da OCDE. É bom lembrar também que o Brasil participa há décadas de diferentes foros da OCDE, com bons resultados setoriais. Mas é sempre importante reiterar o fato de que ingressar em uma organização não tem o poder de mudar o “status” de desenvolvimento econômico de um país, e a própria composição da OCDE demonstra esse fato. Ser aceito como membro pleno, ao final do longo e complexo processo negociador que se iniciou em 2022, é uma consequência natural desse processo histórico de aproximação, e os benefícios são mútuos: a OCDE também tem muito a ganhar com o ingresso de um país com o peso do Brasil.

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